Desde a semana passada, o acirramento da disputa comercial entre as duas maiores potências globais continua roubando todas as atenções do mercado. O aumento da audiência se deve principalmente pelo fato de que as apostas ficaram muito elevadas, inviabilizando um recuo iminente dos dois lados.
Sem qualquer sinal de acordo nas reuniões bilaterais realizadas semana passada, Donald Trump cumpriu com sua promessa e elevou, na sexta-feira, de 10% para 25% as tarifas sobre 200 bilhões de dólares em produtos importados da China.
Obviamente os chineses ficaram furiosos e anunciaram, na manhã desta segunda-feira, uma contramedida aos norte-americanos. A partir do dia 01/06/2019, a China vai aumentar de 5% para 25% as tarifas sobre 60 bilhões de dólares em produtos importados dos Estados Unidos.
O clima apreensivo observado em várias praças financeiras mundiais na semana passada se transformou em uma amostra de pânico nesta segunda-feira, com vários índices acionários de países desenvolvidos e emergentes caindo cerca de 2%/3% neste pregão. Essa onda de temor no mercado é justificada, já que as tarifas prejudicam não somente as exportações entre as duas grandes potências, mas também provocam reflexos na Ásia, Europa e América Latina, economias exportadoras de componentes industriais e matérias-primas para China e/ou Estados Unidos.
Apesar dos impactos a nível global, economistas de vários países estão chamando a atenção para a vulnerabilidade da China. A meta de crescimento deste ano já foi revisada para o intervalo de 6% a 6,5%, mesmo após fortes políticas de incentivo fiscal e monetário. Se confirmado, o PIB deste ano será o pior das últimas três décadas.
Quando a meta do PIB de 2019 foi revelada ao mercado, havia boa expectativa de a China alcançar um acordo comercial com os Estados Unidos, já que as conversas estavam fluindo bem entre ambas as partes. No entanto, com este novo cenário de guerra comercial, possivelmente não precificado pelos modelos, o crescimento poderá ser ainda menor, alimentando velhas especulações no mercado sobre a sustentabilidade da economia chinesa.
Não por acaso, a retaliação imediata dos chineses veio num volume 70% inferior à bomba lançada por Donald Trump na sexta-feira (60 bilhões da China versus 200 bilhões dos Estados Unidos). Se, por um lado, não pode ser considerada uma contramedida simbólica, por outro, está longe de ser um contra ataque de mesma potência, o que sinalizaria disputa equilibrada.
O levantamento acima demonstra claramente o desequilíbrio na disputa. Além de a China ter muito mais a perder travando uma batalha comercial com os Estados Unidos, precisará encontrar outro fornecedor de alimentos o mais rápido possível para substituir as exportações agrícolas norte-americanas, caso contrário sua população morrerá de fome.
A China possui uma única carta na manga capaz de abalar fortemente os Estados Unidos. Conhecida por alguns analistas como bomba nuclear, o estoque de Treasuries (títulos do Tesouro norte-americano) em posse da China ultrapassa 1,1 trilhão de dólares. Se a China resolver vender suas reservas de Treasuries, o mercado mundial seria inundado com esses títulos, inviabilizando novas emissões (captações) por parte do tesouro norte-americano, além de impulsionar as taxas de juros para cima. Sem poder emitir dívida, ou sendo forçado a pagar juros muito mais elevados, os Estados Unidos entraria em colapso como qualquer outro país altamente endividado com dificuldade de captação ou sendo forçado a pagar juros mais altos.
Entretanto, essa hipótese está praticamente descartada. A China precisa de grandes reservas em papéis seguros e de altíssima liquidez para conseguir manipular sua moeda local. Não existe outra alternativa no mundo mais segura e líquida do que as Treasuries.
Entre 2015 e 2016, quando a China se viu forçada queimar algumas centenas de bilhões em Treasuries para sustentar sua moeda, vários hedge funds globais estavam com dedo no gatilho para shortear ativos chineses. Aliás, vários hedge funds estão ansiosos para shortear China há muitos anos. Por pouco não houve um ataque em massa na época. Um conhecido hedge fund brasileiro chegou abrir posição contra China, mas o Banco do Povo (autoridade monetária chinesa) travou uma batalha dura para defender sua moeda e conseguiu afastar a ameaça antes que se espalhasse no mercado.
Além disso, consequência do movimento de queima de Treasuriess, muitos começaram questionar no mercado sobre a saúde da economia e a qualidade do crédito local. Nesse ambiente mais tenso, começaram aparecer especulações de desaceleração econômica acentuada. A queima de Treasuries era vista como medida desesperadora para criar cash e impulsionar a atividade local.
Portanto, apesar de possuir o status de maior credora da dívida do tesouro norte-americano, a China não pode se dar ao luxo de desmontar suas posições, pois esse movimento serviria como chamariz do mercado aos seus graves problemas internos.
As reservas muito robustas do Banco do Povo são fundamentais para impor receio do mercado antes de shortear ativos chineses. Se essas reservas abaixarem significativamente, o Banco do Povo cria uma vulnerabilidade (brecha) que possivelmente será utilizada por muitos hedge funds globais. Os chineses tiveram uma pequena amostra no passado sobre o que pode acontecer caso a brecha seja aberta e, provavelmente, não permitirão que isso ocorra até que resolvam seus problemas internos.
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