As eleições primárias realizadas neste último domingo na Argentina proporcionaram um choque de realidade no mercado latino-americano. O atual presidente Mauricio Macri obteve um desempenho muito abaixo das expectativas, reduzindo significativamente as chances de uma reeleição nas eleições presidenciais a serem realizadas no mês de outubro deste ano.
Eleito em 2015 com uma proposta liberal para a economia da Argentina, Macri cometeu vários equívocos na segunda parte de seu mandato, irritando até mesmo os argentinos pró-mercado. Macri iniciou seu mandato seguindo a cartilha da ortodoxia, mas não suportou a pressão do povo e do Congresso.
Antes mesmo de o remédio amargo começar fazer efeito na economia, Macri cometeu uma guinada heterodoxa, relembrando os velhos tempos de peronismo, bagunçando todo o sistema. O que parecia ser direita virou para esquerda. Consequentemente, a economia se retraiu, entrou em recessão e, pior, a inflação voltou a disparar, juntamente com a taxa básica de juros. A moeda local sofreu forte desvalorização, retroalimentando o efeito inflacionário num mundo deflacionista. Mais uma conta salgada a ser quitada pelos argentinos.
Diante de tamanho desastre, poucos no mercado esperavam que Macri pudesse sair com vantagem nas primárias. Por outro lado, poucos também esperavam uma derrota tão humilhante de Macri para a chapa peronista formada por Alberto Fernández e a fantasmagórica da Cristina Kirchner.
Os peronistas dominaram as primárias com 47% dos votos contra apenas 32% da chapa de Mauricio Macri e Miguel Ángel Pichetto. Os 15 pontos percentuais de diferença entre ambas as chapas são uma larga desvantagem para Macri conseguir reverter até outubro com sua economia vacilante.
O CDS (credit swap default, uma espécie de custo de proteção contra um calote da dívida soberana) da Argentina disparou cerca de 1.000 pontos base e a bolsa de valores registrou sua maior queda da história nesta segunda-feira. Perdido no meio do cheiro de churrasco queimado do mercado local, o peso chegou a cair para sua mínima histórica, aos 61,99 por dólar e a autoridade monetária teve que subir a taxa básica de juros emergencialmente em 10 pontos percentuais, para nada mais nada menos que 74% ao ano. Esta foi a forma que o mercado encontrou para se despedir dos argentinos nesta segunda-feira.
Apesar de o cenário sombrio voltar a pairar sobre a Argentina, o mundo parece pouco se importar com o evento. Afinal de contas, o PIB da Argentina já não é grandes coisas para o planeta há vários anos e quem se meteu emprestar dinheiro para os argentinos provavelmente estava ciente dos riscos elevados ou (ii) usou como ferramenta política (alô, é do FMI?), ou (iii) simplesmente está sentado sob uma pilha de dinheiro e queria algo para criar uma emoção maior do que a proporcionada por um casino.
Em Wall Street, comenta-se mais sobre os protestos de Hong Kong e o rali das Treasuries longas (driver principal dos mercados) do que a humilhação de Mauricio Macri. De fato, Wall Street está correta. O rali das Treasuries merece maior atenção, pois é o maior termômetro do mercado da dívida soberana no mundo inteiro.
Aquela somatória do volume de capital global alocado em juros negativos de 13 trilhões de dólares algumas semanas atrás subiu para 14 trilhões de dólares semana passada e já chegou nos 15 trilhões de dólares nesta segunda-feira, segundo a RBC Global Asset.
O volume de capital em juros negativos está aumentando porque cada vez mais países europeus estão fazendo parte da festa, além do pioneiro Japão. O título soberano da Suíça, por exemplo, com vencimento em 10 anos, está ”pagando” inacreditáveis -0,94% ao ano. É isso mesmo, perde-se cerca de 1% ao ano emprestando dinheiro para os suíços. Alemães, franceses, suecos, austríacos, belgas, dinamarqueses, finlandeses e holandeses também fazem parte da festa dos juros negativos.
Neste ritmo, novos integrantes poderão participar da corrida do trilhão dos juros negativos. Os títulos de 10 anos de Espanha e Portugal estão pagando 0,24% e 0,25% ao ano, respectivamente. Reino Unido está pagando 0,48% ao ano no bond de 10 anos, a taxa mais baixa da história.
A taxa de juros do título de 10 anos da dívida soberana norte-americana parece um oásis perto das opções disponíveis na Europa, pagando atualmente 1,65% ao ano. É justamente esse bálsamo do mercado de bonds norte-americano que tem atraído atenção e fluxo de capitais como um imã próximo do metal.
Os players estão correndo para comprar até mesmo as Treasuries super longas, com vencimento em 30 anos. Além da falta de opções no mercado de bonds, muitos acreditam que a era de inflação baixa está longe de acabar, o que impulsiona compra de taxas pré-fixadas, enquanto ainda existe prêmio sobre a expectativa futura para a FFR (Federal Funds Rate).
Títulos muito longos são extremamente sensíveis ao impacto da inflação na economia. O fato de o mercado estar pagando apenas 2,13% ao ano no título soberano norte-americano com vencimento em 30 anos, registrando mínima histórica, conforme observado no gráfico acima, pode mostrar que o FED corre o mesmo risco enfrentado atualmente pelo BoJ e BCE, o de não conseguir alcançar sua meta de inflação, com os preços rodando abaixo do centro da meta por um período de tempo prolongado.
O fato de a inflação continuar rodando abaixo do centro da meta nos Estados Unidos alimenta ainda mais esse cenário traçado pelo mercado, além de abrir espaço para novas quedas na FFR e, até mesmo, retomada do programa de compra de ativos (quantitative easing) por parte do FED.
Não por acaso, o mercado de ações tem sofrido com posições short nos últimos dias/semanas, já que o bullish de curto prazo está concentrado no mercado de bonds. Enquanto as curvas de juros futuros estiverem fechadas e renovando mínimas históricas, o segmento tende a continuar roubando atenção dos players globais.