Poucas semanas depois de um discurso muito otimista de Jerome Powell, presidente do FED (Federal Reserve – Banco Central dos Estados Unidos), as taxas de juros das Treasurys voltaram abrir com força. Este novo movimento chama atenção por surgir num momento delicado.
O clima no mercado financeiro global já está mais pesado por conta do sell-off na bolsa de Xangai, além do recente nocaute sofrido pela Turquia e Argentina. Os banqueiros centrais que não estão em alerta máximo, deveriam estar.
Powell foi pego no contrapé. Durante o importante simpósio anual de política monetária do FED, realizado em Jackson Hole, o chair da autoridade monetária norte-americana passou impressão de estar com o mercado sob controle, com números de crescimento econômico, inflação e taxa de desemprego muito favoráveis na mão.
Entretanto, nesta semana, o mercado desarmou o diagnóstico otimista de Powell com o novo rali nas taxas de juros dos títulos do Tesouro norte-americano. Os números macro ainda podem ser positivos, mas os números dos negócios no mercado de bonds mostram perigo à vista.
A taxa de juros da Treasury de 2 anos, até então lateralizada e comportada, voltou abrir fortemente nos últimos dias, renovando novo recorde do ano. Até o final do mês passado, a taxa estava ancorada em 2,60% ao ano, patamar não muito confortável, porém sem apresentar risco de flattening.
Nos últimos dias, a taxa saltou 0,16 p.p. de forma rápida e agressiva, fechando o pregão desta última terça-feira aos 2,76% ao ano. A taxa de juros da Treasury de 10 anos também voltou a subir, se aproximando novamente da famosa red line dos 3% ao ano.
Gestores de Wall Street estão sempre de olho entre o spread da Treasury de 2 anos com a Treasury de 10 anos, simplesmente porque todas as recessões ocorridas desde 1960 foram precedidas por inversão clássica na curva, ou seja, taxa de juros de 2 anos em ascensão, superando a taxa de juros de 10 anos.
Prêmio mais elevado na ponta curta, comparado ao prêmio menor praticado na ponta longa, normalmente é considerado uma sinalização relevante de alerta. Tanto por um risco negativo iminente para o quadro macroeconômico, quanto por uma reação aos preços dos ativos supostamente desenquadrados dos fundamentos (na avaliação do mercado).
Pode ser mera influência do estresse na Argentina e Turquia, do pouco comentado sell-off na bolsa de Xangai, da disputa comercial entre Donald Trump e Xi Jinping, do BCE (Banco Central Europeu), que está preparando sua rota de desalavancagem, da própria expectativa para a economia norte-americana, onde alguns analistas suspeitam de superaquecimento, ou do conjunto de todos esses fatores.
Fato é que as curvas voltaram abrir, e forte, bem na espinha dorsal do sistema financeiro mundial. Com este novo movimento, o alarme de flattening nas treasurys está acionado, podendo acentuar o impacto generalizado já observado (taxas de juros mais elevadas, depreciação de moedas, mercados acionários mais voláteis) nas demais economias do planeta (tanto desenvolvidas, quanto emergentes).
O spread entre a Treasury de 2 anos (linha preta) verus Treasury de 10 anos (linha vermelha) está em apenas 0,22 p.p. A distância já foi menor no final do mês de julho, porém com a taxa de 2 anos lateralizada e a taxa de 10 anos recuando, apresentava pouco risco de flattening.
O cenário mudou drasticamente neste momento, com ambas as curvas abrindo fortemente. Além disso, a Treasury de 2 anos já consegue acumular dois meses de ganho mais forte, ratificando uma trajetória de curva consistentemente acima da Treasury de 10 anos, aumentando o risco de flattening, que se confirmado, poderá alterar a dinâmica de mercado que estávamos acostumados a observar nos últimos nove anos.