A primavera dovish de política monetária praticada pelos principais banqueiros centrais mundiais desde o final do ano passado pode ter deixado os mercados animados demais. No mundo inteiro, investidores e operadores apostam firmemente em cortes de juros, redução de compulsórios e até mesmo novas rodadas de quantitative easing.
O motivo do contra-ataque preventivo dos principais Bancos Centrais está basicamente no acirramento das disputas comerciais, que ocorre justamente num momento de desaceleração do PIB (Produto Interno Bruto) global, aliado à inflação persistentemente muito baixa.
Há alguns anos, todo e qualquer sinal de fumaça tem sido duramente rechaçado pelos banqueiros centrais, principalmente de economias desenvolvidas. A estratégia padrão é atuar sobre qualquer dado que mostre alguma advertência macroeconômica, com objetivo de evitar propagação do sentimento de temor para a economia e os mercados.
Isso ocorre em função da atual e incomum baixa capacidade de resposta dos banqueiros centrais para cenários de crises mais agudas. Ao contrário do passado, os Bancos Centrais de países desenvolvidos não contam mais com a poderosa ferramenta da taxa básica de juros (atualmente as taxas estão muito baixas, algumas perto de zero ou até mesmo negativas) e seus balanços já estão entupidos de títulos adquiridos na última crise.
O mercado financeiro global opera com liquidez abundante devido às compras maciças de ativos por parte dos Bancos Centrais e taxas de juros baixas demais. A eficácia de ambas estratégias está sendo questionada há vários anos por economistas do mundo inteiro e já existe certo consenso relacionado à perda de potência dos programas de quantitative easing.
É possível imaginar que será preciso criar uma nova ferramenta para combater a próxima grande crise. Entretanto, como essa ferramenta ainda é desconhecida, os banqueiros centrais seguem atuando preventivamente, com objetivo de evitar o surgimento de crises mais agudas, tanto pela via econômica, quanto pela via do mercado financeiro (o potencial de contágio entre ambas as frentes é considerado elevado).
Talvez por conta do excesso de precaução nas estratégias de política monetária dos Bancos Centrais, os investidores e operadores no mercado podem ter se empolgado demais com a primavera dovish. A forte onda compradora em títulos da dívida soberana de vários países jogou as taxas de juros futuros para níveis muito baixos, inclusive, em alguns casos, bem inferiores aos patamares atuais das taxas básicas de juros, evento não tão comum e que pode aumentar significativamente o risco da posição.
Nos Estados Unidos, a taxa de juros da Treasury de 2 anos bateu 1,71% no mês passado, muito abaixo da meta da FFR (Federal Funds Rate – taxa básica de juros), atualmente entre 2,25% a 2,50%.
É verdade que o FED (Federal Reserve – Banco Central dos Estados Unidos) abriu as portas para eventuais cortes na FFR em sua última reunião de Comitê, condicionado à expectativa de deterioração da atividade e permanência da inflação muito baixa. Mas a economia não demonstra sinais de desaceleração aguda e o próprio FED acredita que a inflação baixa é um fator transitório. Na última sexta-feira, o relatório de emprego do Departamento de Trabalho mostrou criação de 224 mil novos postos de trabalho, recorde em cinco meses e muito acima da expectativa de 160 mil vagas.
Alguns no mercado esperam que o FED possa cortar a FFR em agressivos 0,50 p.p. já na próxima reunião de política monetária a ser realizada nos dias 30 e 31 de julho. Outros esperam que o FED vai, pelo menos, começar cortar a FFR em 0,25 p.p. já no próximo encontro, dando início a um ciclo de afrouxamento monetário que poderá se estender para o próximo ano. Por conta disso, a taxa de juros da Treasury de 2 anos cedeu tão forte.
Mais curioso é que a expectativa de cortes imediatos foi alimentada no mercado sem que o FED sinalizasse de forma mais concreta essa possibilidade. Os documentos de comunicação da autoridade monetária ressaltam apenas a possibilidade de cortes futuros (não necessariamente imediatos) na FFR, sem determinar data prévia e ainda condicionado a eventual deterioração dos indicadores macroeconômicos.
O fato de o mercado estar muito à frente da política monetária, precificando um cenário que não reflete a comunicação, nem os indicadores macro, pode forçar uma correção dolorosa de rumo por parte do Banco Central. Isso significa que a autoridade monetária terá de encarar o mercado para corrigir o excesso de otimismo da primavera dovish para não se tornar refém das expectativas criadas nas praças financeiras cada vez maiores.
O Banco Central do Brasil vive o mesmo dilema. A situação é bem semelhante à observada nos Estados Unidos e no mundo inteiro. O mercado local aposta firmemente no início de um novo ciclo de afrouxamento monetário, algo completamente fora da comunicação do Banco Central.
O contrato de juros futuros com vencimento em 2021 está pagando 5,63% ao ano, muito abaixo da Selic atual de 6,50% ao ano. É praticamente uma aposta de que haverá, ao menos, 4 cortes de 0,25 p.p. na taxa básica de juros a curto/médio prazo. No entanto, o Banco Central não sinalizou, sequer, possibilidade imediata de 1 corte de 0,25 p.p. na Selic, mesmo se houver aprovação da reforma da previdência.
Isso significa que a reforma da previdência não é necessariamente o gatilho para disparar cortes sucessivos da taxa básica de juros, mas por outro lado será uma variável de peso a ser considerada nos modelos da autoridade monetária para estudo de nova rodada de afrouxamento monetário.
Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central, inclusive ressaltou recentemente que não há relação mecânica entre a aprovação da reforma da previdência no Congresso e um corte na taxa de juros. A mensagem do presidente da autoridade monetária sugere um tom bem mais cauteloso para decisões futuras, descorrelacionada com o que circula no mercado local.
Apesar de não descartar cortes na taxa Selic, Campos Neto pode estar tentando enviar uma mensagem ao mercado otimista demais com o ciclo de afrouxamento monetário. Não parece sensato desprezar a possibilidade de surpresas negativas nas reuniões de política monetária a serem realizadas neste mês, até porque os mercados parecem estar desafiando os Bancos Centrais numa queda de braço.
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