O pouco comentado documento preparado pelo Ministério da Fazenda à equipe de transição pode gerar grande dor de cabeça ao investidor brasileiro. A primeira informação relevante está na afirmação de incapacidade de geração de superávit primário apenas com o corte de gastos. Isso significa, basicamente, que vamos ter aumento de carga tributária nos próximos anos, caso contrário a dívida se tornará impagável. Não há outra saída para reequilibrar as contas públicas.
Devido à incompetência e falta de vontade das duas gestões anteriores (Dilma e Temer) para enfrentar os lobbys, atacar gastos desnecessários ou cortar benefícios altamente ineficazes, a atual equipe do Ministério da Fazenda sugeriu uma série de mudanças na próxima gestão, talvez para tentar passar uma falsa imagem de que a conta será distribuída para toda a sociedade, mas pode-se observar claramente que o governo atual sugeriu manter o olho num segmento específico: o bolso do investidor.
Prova disso estão nos comentários que circularam após a publicação do documento. Dentre tantas sugestões anunciadas, a tributação de produtos financeiros, como LCI e LCA, foi a que mereceu destaque no discurso do ministro do Planejamento, Esteves Colnago, que por sinal será o secretário-geral adjunto do Ministério da Fazenda do próximo governo.
Em relação ao recolhimento de impostos, o documento basicamente sugere a criação de alíquota de 15% de Imposto de Renda na fonte e sem nenhuma faixa de isenção para distribuição de lucros e dividendos, redução gradual da dedução de juros sobre o capital próprio até sua extinção completa, criação de uma alíquota adicional de 35% de Imposto de Renda Pessoa Física para as pessoas que recebem mais de 300 mil reais por ano, recolhimento de Imposto de Renda na fonte sobre o lucro de aplicações financeiras como LCIs e LCAs, elevação em 5 pontos percentuais da tabela regressiva de Imposto de Renda sobre aplicações financeiras e limitação da isenção de Imposto de Renda sobre heranças e doações.
Produtos atualmente isentos e de grande relevância para a economia, como CRI, CRA, Fundos Imobiliários e debêntures incentivadas não foram citados no documento, mas diante do gigantesco rombo fiscal e retorno da novela de ataque ao bolso do investidor, nada pode ser descartado nos próximos anos.
Considerando um cenário impossível onde todas as medidas sugeridas entrassem em vigor no próximo ano, que inclui, ainda, redução modesta dos benefícios fiscais (principal gargalo das contas públicas), reformas e corte de gastos, a dívida bruta do governo geral chegaria a 75,5% do PIB em 2022. Ou seja, se tudo for feito, ainda continuaremos com uma dívida muito elevada nos próximos 4 anos.
A experiência dos últimos anos mostra que a necessária redução dos benefícios fiscais e corte de gastos dificilmente passará pelo Congresso na devida intensidade, considerando a gravidade atual das contas públicas. Possivelmente os benefícios serão reduzidos e algumas regalias serão cortadas, nada muito relevante, o que não resolve o problema fiscal.
Precisamos fazer superávit primário de 3% do PIB, mas parece existir uma barreira intransponível no Congresso que defende com todo vigor interesses de determinados grupos/setores/camadas da sociedade.
Por outro lado, o raro brasileiro poupador e investidor, que decidiu se locomover contra a manada ignorante financeiramente, aparenta estar desguarnecido há anos. Sempre quando surge alguma dificuldade fiscal de curto prazo, foca-se na tributação (ou aumento) sobre aplicações financeiras, dividendos, lucro, ou qualquer outra coisa que possa afetar os rentistas/capitalistas/vilões da economia. Pessoas que ao invés de gastar toda sua receita, ou se endividar, como sugere o script, se esforçam para economizar ao menos uma parte de sua renda para investir em algo.
Nós somos o alvo e não tem ninguém para nos defender. Porém, por incrível que pareça, temos de torcer para que o ataque às nossas carteiras, de fato, ocorra. Esperar por uma solução a partir do corte significativo de benefícios e gastos é como torcer por um milagre.
Se nada for feito, o endividamento brasileiro, com perspectiva de alcançar 78% do PIB já neste ano, chegará em 106% do PIB em 2022, praticamente numa situação de calote técnico/branco. Existem vários nomes bonitos ou não tão dramáticos para definir uma situação real/prática de insolvência fiscal. O fato de não estarmos quebrados em dólar, mas sim em reais, não altera a rota de um futuro traumatizante. Algo precisa ser feito nesses próximos anos. Estejam preparados, pois as contas chegarão.
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