Dando prosseguimento a um cronograma de reversão extremamente lento e gradual na estratégia de política monetária, o Banco Central dos Estados Unidos elevou a FFR (Federal Funds Rate – taxa básica de juros) em 0,25 p.p., para o intervalo de 2,25% a 2,50%.
A FFR encerrou 2018 exatamente na projeção anunciada e confirmada trimestres atrás pela própria autoridade monetária norte-americana. Quem se mostrou surpreso com a decisão desta última quarta-feira simplesmente não leu os comunicados divulgados pelo FED (Federal Reserve – Banco Central dos Estados Unidos) este ano.
Aliás, não está lendo os comunicados há vários anos. A estratégia de normalização das condições monetárias foi anunciada há duas gerações de comando do Banco Central dos Estados Unidos.
Ben Bernanke, criador dos programas de quantitative easing, antecipou no fim de seu mandato no Banco Central que uma reversão da política monetária estava para acontecer no futuro. Sua sucessora na presidência do FED, Janet Yellen, iniciou em 2015 o programa de normalização das condições monetárias, com aumentos muito lentos e graduais na FFR e reversão do gigantesco balanço do Banco Central.
Economista extremamente competente, Yellen virou a chave da política monetária norte-americana sem causar muito alarde no mercado, evitando impacto sobre os preços dos ativos. O mercado tinha elementos mais do que suficiente para implodir durante a gestão de Janet Yellen, pois foi nesta época que ficou claro o objetivo de alcance para a FFR a longo prazo (em torno de 3% ao ano) e, principalmente, divulgação dos números do cronograma de redução do balanço.
Yellen conduziu o humor do mercado no laço e passou o bastão para o atual presidente do FED, Jerome Powell, que por sinal parece estar perdendo o controle sobre o mesmo. Deixando de lado a corriqueira volatilidade observada nos minutos em que ocorre a divulgação da decisão de política monetária, tudo parecia desenhado para o FED reduzir a tensão dos investidores no mercado.
O resultado do Comitê de Política Monetária foi mais dovish do que o esperado, mostrando juro neutro um pouco mais baixo do que o projetado anteriormente. A mediana das expectativas para a FFR no ano que vem caiu de 3,1% para 2,9%, o que significa que apenas mais dois aumentos de 0,25 p.p. poderão ocorrer em 2019, ao contrário de três. Para 2020 e 2021, a projeção também caiu de 3,4% para 3,1%, mostrando que o ciclo de alta na FFR poderá se encerrar na passagem de 2019 para 2020, com a taxa básica de juros ancorada temporariamente em 3% ao ano.
A mediana da projeção de longer run (longo prazo, pós 2021) para a FFR ficou ainda mais dovish, caindo para 2,8%. Este é o primeiro indicativo de que o juro neutro nos Estados Unidos (patamar que mantém a economia em crescimento sem criar pressão inflacionária) foi revisado para abaixo da temida red line dos 3% ao ano, num claro de sinal de preparo para desaceleração do ritmo de crescimento do PIB.
Projeção de juros de longo prazo abaixo de 3% era algo para animar Wall Street, ou no mínimo reverter o clima negativo observado desde outubro em várias praças financeiras mundiais. Entretanto, os preços dos ativos continuaram despencando mesmo após um viés mais dovish do FED.
O estresse se manteve por falta de malícia de Jerome Powell. Durante a entrevista concedida após o encerramento da reunião de Comitê, Powell discutiu com um repórter sobre o atual programa de redução do balanço do FED, afirmando que a estratégia de desalavancagem está em piloto automático.
Alguns players analisaram a resposta de Powell como um indicativo de que se a economia norte-americana deteriorar no futuro, o FED não iria reduzir o volume de desalavancagem mensal de seu balanço, por estar em piloto automático. Normalmente, quando banqueiros centrais falam sobre perspectivas futuras, deixam em aberto a porta para mudar a estratégia, se necessário.
Powell esqueceu de mencionar que a porta estaria aberta para uma eventual redução ou mesmo interrupção temporária na desalavancagem, mesmo que realmente esteja fora de cogitação neste momento. Mencionar porta aberta para mudanças futuras deixa os investidores/operadores bem mais calmos, mesmo quando a situação de momento é delicada. Foi basicamente desta forma que Yellen conduziu o mercado no laço durante toda sua gestão. Estratégia, por sinal, copiada ipsis litteris por Mario Draghi, presidente do BCE (Banco Central Europeu).
A cada mês o FED está deixando vencer 50 bilhões de dólares em títulos comprados anteriormente durante o crash do subprime. A princípio, o número parece grande e preocupante, entretanto, ao observar o upside no balanço do FED desde 2008, pode-se notar que a desalavancagem ocorre num ritmo bem mais lento do que alavancagem, ou seja, há muita gordura para ser queimada no balanço.
Ainda não é possível estimar o nível de balanço futuro do FED, até porque o processo parece longe de atingir maturação. O topo do balanço foi registrado aos 4,5 trilhões de dólares e atualmente o FED carrega 4,1 trilhões em títulos. São cerca de 400 bilhões de dólares a menos, o que é considerado dinheiro de pinga perto dos velhos tempos de quantitative easing. Antes do crash de 2008, o FED carregava pouco menos de 1 trilhão de dólares em títulos.
Caso o FED mantenha o cronograma de desalavancagem atual, serão retirados mais 600 bilhões de dólares no ano que vem, fazendo o balanço cair para cerca de 3,5 trilhões de dólares no final de 2019, operando ainda num nível muito elevado para os padrões históricos.
Portanto, ao contrário do que se comenta no mercado, a estratégia de política monetária do FED não está empurrando o mercado para baixo ou criando pânico. Muito pelo contrário, a reunião do Banco Central dos Estados Unidos produziu uma tentativa de saciar a fome do urso através da revisão do juro neutro para baixo e manutenção no ritmo de desalavancagem do balanço (até então, o FED estava aumentando a cada trimestre até chegar nos 50 bilhões dólares/mês).
A estratégia do FED é passar mensagem mais dovish para evitar que uma crise de mercado possa contaminar a economia norte-americana no futuro. Muitos acreditam que ciclos de bear market no mercado acionário são prenúncio de recessão à vista. Apesar de não existir essa relação mecânica, algumas recessões marcantes foram precedidas por quedas no mercado acionário.
Existe, portanto, um efeito psicológico importante que o FED quer tentar bloquear. O S&P500 está quase acumulando 20% de queda sobre a máxima histórica, o que tecnicamente caracterizaria virada para bear market. É de interesse do FED saciar a fome dos ursos, ou seja, fornecer munição para saturação das vendas e retorno de operações compradas, fazendo com que, assim, o S&P500 volte a subir e fugir do risco de virar para ciclo de queda.
Resta saber se a estratégia do FED vai ou não funcionar. Se falhar, hasta la vista baby. Powell terá que se curvar aos ursos no comando.
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