Um dos maiores bancos de investimento do planeta revisou nesta última terça-feira suas projeções econômicas e fiscais para o Brasil. Até então, o número base trabalhado pelo mercado era de contração de cerca de 5% para 2020 na economia brasileira, projeção reforçada pelo alinhamento de expectativas do FMI (Fundo Monetário Internacional) e Banco Mundial divulgadas no mês de abril.
Entretanto, os números do FMI e Banco Mundial já começam a ser considerados defasados, muito em função da não surpreendente desorganização/intrigas observadas na classe política, bem como nas instituições brasileiras, evidenciando falhas banais no combate à pandemia e reanimação da economia.
Queda histórica
Uma queda de 5% no PIB este ano já seria o pior desempenho registrado na série histórica disponibilizada pelo Banco Central, feita desde 1962. Apesar de evidenciar impactos negativos econômicos e sociais extremamente relevantes, a assustadora projeção pode não ser o bastante para o fundo do poço em terras brasileiras.
As “lives circenses” constatadas nas últimas semanas incentivaram nada mais nada menos que o gigante Goldman Sachs fazer uma nova revisão de sua projeção para a economia brasileira, em relatório que acabou sendo um holofote para o mundo inteiro ouvir. Para 2020, o Goldman projeta agora uma retração descomunal de 7,4% na economia brasileira, combinada com um endividamento alcançando insustentáveis 90% PIB já no mês de dezembro deste ano.
Uma catástrofe completa.
Mesmo contabilizando todos os incentivos já anunciados pelo governo, a economia brasileira só recuperaria o nível de pré-crise em 2023 (que, por sinal, já era considerado um patamar baixo, em função do fraco crescimento acumulado desde a era Dilma).
Política Fiscal, endividamento e taxa de juros
O baque na economia inevitavelmente vai pressionar ainda mais a situação fiscal que já era considerada delicada antes mesmo do coronavírus. Com o endividamento alcançando rapidamente a marca de 90% PIB, combinada com uma taxa de juros longa de 8% ao ano, o espaço-tempo necessário para o país se ajustar antes de um desfecho traumático se reduz ainda mais.
Conforme pode-se constatar no gráfico de pizza extraído do último relatório mensal da dívida pública federal (março/2020), disponibilizado pelo Tesouro Nacional, apenas 37,7% da dívida brasileira está atrelada a Taxa Flutuante (Tesouro Selic).

Somadas, a parcela da dívida atrelada a Índice de Preços e Prefixados chega a 57% de todo o endividamento do governo. Essa é a composição da dívida na qual não é possível alterar mais o custo, já que o governo precisa honrar com as taxas de juros dos papéis nos vencimentos.
Além de representar mais da metade da dívida pública, as taxas dos títulos Prefixados e de Índice de Preços são consideradas elevadas desde sempre. Inclusive, as taxas atuais praticadas no Tesouro IPCA longo (cerca de IPCA + 4,5% ao ano) e Tesouro Prefixado longo (cerca de 8% ao ano), apesar de serem elevadas demais para os tempos atuais, estão bem mais baixas do que as taxas praticadas nos últimos anos.
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Crescimento vs dívida
Isso significa que o governo brasileiro tem um custo de carrego da dívida muito alto na parte atrelada aos papéis de Índice de Preços e Prefixados, o que representa mais da metade de todo o custo de financiamento.
Para conseguir bancar este custo de carrego elevado, o país precisa:
1. Crescer a ritmo de Índia/China por vários anos (aumentando significativamente a arrecadação de forma saudável, o que provocaria alívio fiscal).
2. Sufocar a demanda ou setor produtivo com aumento considerável de carga tributária.
3. Cortar gastos de uma forma nunca antes observada na história.
Caso não seja possível realizar algumas das três alternativas acima, não existe passe de mágica ou invenção (por enquanto) para fugir de um evento traumático no longo prazo. Ou iremos imprimir dinheiro para pagar a dívida (o que poderia resultar numa deterioração significativa de nossa moeda e disparada da inflação) ou iremos declarar default.
Dificuldades do Brasil
O Brasil não conseguiu alcançar o status de sustentabilidade da rolagem da dívida, como pode ser observado em diversos outros países desenvolvidos e emergentes que reduziram suas respectivas taxas básica de juros, pois o nosso custo de captação era muito alto e continua elevado em títulos de Índice de Preços e Prefixados mesmo com a queda da Selic para 3% ao ano.
Nesta última terça-feira, o secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, afirmou que o país não tem dificuldade para se financiar com a venda de títulos públicos no mercado doméstico. Instituições financeiras, fundos de investimento e fundos de previdência realmente continuam sendo grandes compradores dos títulos do Tesouro Nacional. São os três principais players que permitem a rápida expansão do endividamento doméstico.
Problemas à vista?
Entretanto, caso estes players comecem a perceber aumento do risco da dívida interna, ou mesmo deterioração mais acentuada na moeda, o governo poderá sofrer não somente com a ausência de compradores fortes no mercado doméstico para os seus títulos, mas também com um movimento de realocação de capitais de investidores locais buscando lastro em ativos estrangeiros, atrelados a alguma moeda forte.
Operação bem mais facilitada hoje em dia em função da evolução das plataformas de investimento.
Este cenário precisa ser monitorado o tempo todo, a fim de ser evitado. O que ainda nos permite certa manutenção da ordem econômica e social é justamente a poupança interna lastreada nos títulos da dívida do governo.
