Desde quando o BCE (Banco Central Europeu) passou utilizar as ferramentas de quantitative easing como forma de contra-atacar a crise da dívida da zona do euro em 2011, criou-se uma falsa sensação no mercado de que o cenário de endividamento extremante adverso em vários países europeus foi definitivamente solucionado.
O Tratado de Maastricht, que permite aos países da zona do euro trabalharem com uma dívida total de até 60% do PIB e um crescimento adicional do endividamento de não mais que 3% ao ano, é apenas um documento ignorado por várias lideranças políticas. Grécia, Itália, Portugal, Bélgica, Espanha e até mesmo a França operam com endividamento em torno de 100% PIB ou mais, muito acima dos 60% estabelecido pelo Tratado de Maastricht.
Com o BCE garantindo liquidez e/ou devorando os títulos da dívida soberana de diversos países, uma espécie de vista grossa estava sendo realizada de forma generalizada, ao mesmo tempo em que medidas mais rigorosas foram adotadas contra a Grécia, como forma de atrair os holofotes e transmitir uma mensagem aos demais líderes europeus (para que voltem trabalhar políticas públicas com responsabilidade fiscal).
A punição para os gregos e a mensagem subliminar para os demais líderes europeus falhou. Na época do impasse na Grécia muitos temiam que se a mesma situação ocorresse com a Itália, o bloco europeu poderia entrar em ruínas. Uma coisa é resgatar um país pequeno de PIB inexpressivo, outra é ter de resgatar a terceira maior economia da zona do euro.
Salvar a Itália causa mais calafrios para os líderes da zona do euro do que ter de administrar um Brexit sem acordo. Não por acaso, os italianos receberam nesta quarta-feira um call de medida punitiva. Devido ao alto endividamento e piora na situação financeira, a Comissão Europeia recomendou abertura de um procedimento de déficit excessivo contra a Itália. Caso aprovado, o país será obrigado pagar multas bilionárias e até mesmo sofrer sanções financeiras.
O endividamento italiano alcançou novo recorde em 2018, chegando a impagáveis 132,2% PIB, irritando a Comissão Europeia. A situação claramente saiu de controle no ano passado, já que o endividamento estava flat entre 2014 até 2017. Para amortizar essa dívida, toda a população da Itália precisaria trabalhar um ano e quatro meses inteiros sem receber salário, algo naturalmente irreal e fisicamente impossível.
Desde junho do ano passado, a Itália é governada por uma coalizão formada pela Liga (extrema direita) e o populista Movimento Cinco Estrelas. Ambos os partidos são contra as políticas de austeridade e reformas impostas pela União Europeia, o que resultou no aumento do endividamento.
A Itália está desafiando os líderes europeus por dois motivos simples: (i) o país é grande demais para ser punido, o que só agravaria a situação econômica e fiscal, e (ii) sua expulsão do bloco provocaria uma série de defaults estratosféricos e arrastaria toda a Europa para as ruínas. Se um eventual default da pequena Grécia seria suficiente para quebrar vários bancos europeus, pior seria um default da gigante Itália. Portanto, se a Grécia teve que ser socorrida pelos europeus para não desencadear uma crise financeira dentro do bloco, o tratamento com a Itália tem de ser ainda mais cuidadoso.
A Comissão Europeia precisa mostrar rigor para a imprensa, em alguns momentos ameaçando punição (blefes), mas nos bastidores tem de encontrar uma forma de convencer os políticos italianos implementarem medidas de austeridade para redução do endividamento.
As reformas dolorosas impostas pela União Europeia ainda não foram capazes de resolver o problema do endividamento para vários países-membros, apenas compram tempo até que alguma solução milagrosa apareça no futuro.
Entretanto, o enfrentamento dos italianos alimenta as discussões no mercado e pode acabar derrubando a camuflagem que as instituições conseguiram colocar sob a dívida de vários países em dificuldade. A dívida do Chipre, por exemplo, voltou ultrapassar 100% PIB, se aproximando da máxima histórica. A dívida da Grécia também voltou a decolar e alcançou 181,1% PIB, novo nível recorde, bem superior aos 172,1% em 2011, quando estourou a crise na Europa. Ambos os países foram resgatados pelos europeus, mas em pouco tempo voltaram a entrar em dificuldade, totalmente dependente das instituições para rolagem da dívida.

A dívida de Portugal continua muito elevada mesmo com algumas reformas realizadas nos últimos anos, aos 121,5% PIB. O mesmo ocorre com a Bélgica, disciplinada com as reformas, porém ainda sustentando uma dívida de 102,5% PIB. França e Espanha seguem coladas logo abaixo, com dívidas de 98,4% PIB e 97,1% PIB, respectivamente.
Considerando os números atuais, pode-se concluir que a crise de 2011 está longe de ser solucionada na Europa, mas por outro lado não chega incomodar o mercado na mesma intensidade verificada na época, já que o BCE tem atuado para manter artificialmente baixas as taxas de juros dos títulos públicos. É uma forma de comprar tempo até que apareça algum milagre para substituir a velha solução definitiva. Por enquanto, continua sendo proibido dar default.
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