O payroll, relatório de emprego do governo norte-americano (o mais acompanhado e mais famoso do mundo), divulgado nesta sexta-feira, desafiou, mais uma vez, as leis da física do capitalismo.
Segundo dados do Departamento de Trabalho dos Estados Unidos, a taxa de desemprego recuou para incríveis 3,7%, o menor patamar dos últimos 49 anos. Mesmo criando apenas 134.000 novos empregos no mês passado, o número foi suficiente para provocar um recuo da taxa de desemprego de 3,9% para 3,7%.
A mediana das expectativas do mercado (superávit de 168.000 vagas), foi frustrada em função dos impactos do furacão Florence. Isso significa que, talvez, se nenhum furacão tivesse atingido os Estados Unidos no mês passado, a taxa de desemprego poderia ser ainda menor.
Na última ocasião em que a taxa de desemprego recuou fortemente nos Estados Unidos, o homem tinha pisado na Lua pela primeira vez na história. Sem dúvida não deixa de ser uma grande façanha para administração Trump, mas o mercado tem se mostrado receoso com tamanha força da economia norte-americana.
O primeiro e importante indicador está na própria taxa de desemprego. Nunca na história dos Estados Unidos a taxa de desemprego se manteve abaixo dos 4% por um longo período de tempo. No pós-guerra da década de 1950 a economia conseguiu sustentar um desemprego abaixo de 4% por alguns anos. Em todos os demais períodos, houve forte repique de alta do desemprego sempre quando a taxa caía demais.
A atual trajetória de recuo da taxa de desemprego também é considerada a mais agressiva da história para um período inferior a 10 anos. A taxa de desemprego recuou 6,3 p. p. em apenas 8 anos.
A economia norte-americana está claramente aquecida e operando ao pleno emprego. Não por acaso os ganhos médios por hora trabalhada seguem aumentando em cerca de 2,8% ao ano, o índice de confiança está no patamar mais elevado dos últimos 20 anos (próximo do nível recorde) e o PIB está perto de alcançar 3% neste ano (primeira vez em 13 anos).
Entretanto, muitos economistas ainda não conseguem explicar como isso tudo pode acontecer sem a inflação, sequer, ameaçar romper o centro da meta de 2% ao ano, mesmo depois de o balanço do FED (Federal Reserve – Banco Central dos Estados Unidos) ter subido significativamente de 900 bilhões de dólares em 2008 para 4,5 trilhões de dólares em 2014 (atualmente em 4,1 trilhões) e, ainda, com a reforma tributária de Trump aumentando ainda mais o dinheiro circulando na economia.
As últimas declarações de Jerome Powell, presidente do FED, dão a entender que a perspectiva para a economia segue muito positiva para os próximos anos, sem risco de recessão no radar, além de acreditar na possibilidade da manutenção de um quadro raro para a economia norte-americana, onde a inflação continuaria comportada em torno do centro da meta e a taxa de desemprego permaneceria ultrabaixa por um longo período.
O chair do FED está otimista e não demonstra preocupação com um possível cenário de superaquecimento da economia para os próximos anos. O mercado, por outro lado, tem adotado um tom mais cauteloso, se mantendo distante da Treasurys em partes por acreditar que, no futuro, o FED pode ser forçado a subir os juros repentinamente para conter o superaquecimento e, ainda, ter de limpar um balanço abarrotado de Treausyrs, títulos hipotecários, entre outros ativos, algo sem precedentes na história.
A famosa red line de 3% na Treasury de 10 anos foi simplesmente atropelada com violência pelo mercado nestes últimos dias, jogando o rendimento do título para 3,23% ao ano, o maior patamar dos últimos 7 anos. A superação deste importante patamar marca uma nova abertura na curva de juros futuros norte-americana, mantendo o mercado vendedor.
Perde dinheiro, neste momento, na marcação a mercado, quem está posicionado na ponta comprada em Treasury, já que as taxas estão em forte ascendência. Portanto, investidores e players de mercado, que especulam a favor da curva, estão sendo forçados a operar na ponta vendida para fazer dinheiro com as Treasurys (as mais líquidas do mundo).
Não há sinalização de interrupção nesta nova fase de abertura nas taxas de juros futuros, mas no momento em que a curva parar de abrir e/ou voltar a fechar nos Estados Unidos, as Treasurys poderão atrair forte demanda compradora, afetando fluxo em mercados desajustados ou vulneráveis, como o nosso.
Inegavelmente, o prêmio do bond norte-americano está ficando muito atrativo, tanto para o investidor/player local, quanto para o investidor/player estrangeiro. No futuro, o que será melhor, comprar título soberano mais seguro do mundo recebendo prêmio de cerca de 3,5% ao ano (taxa bem superior a inflação e acima do nível neutro estabelecido pelo FED) ou comprar título soberano brasileiro para receber prêmio de 6,5% na troca de dólares por reais?