A relação entre mulheres e finanças vem sendo tratada com especial destaque nos últimos tempos. Historicamente, a preocupação relativa ao provimento da casa, bem como o planejamento para que esse recurso se perpetuasse teve protagonismo masculino. Entretanto, atualmente, grande parte dos lares conta com homens e mulheres como provedores, ainda que com certa disparidade salarial, em muitos casos.
Tal cenário gera diversas consequências, uma delas é um menor interesse feminino ou até mesmo menor abertura para o mercado financeiro. Isso se traduz no fato de que ainda contamos com um número reduzido de mulheres investidoras na Bolsa de Valores brasileira, bem como poucas profissionais certificadas nesse mercado.
Ainda que as mulheres ocupem posição de destaque na organização de despesas e orçamento do dia a dia, a maior parte delas não possui grande participação em relação às decisões de longo prazo. Tal fato é bastante preocupante, principalmente ao se levar em conta que a expectativa de vida feminina é mais alta que a dos homens.
Nesse artigo, trouxemos alguns dados que ilustram o atual cenário da relação entre mulheres e finanças e participação no mercado financeiro.
Entendendo a relação entre mulheres e finanças no mundo
Para entender melhor a atual situação da participação feminina em relação às finanças familiares, a UBS realizou uma pesquisa entre setembro de 2017 e janeiro de 2019. Foram entrevistadas cerca de 3.700 mulheres casadas, viúvas e divorciadas na Alemanha, Brasil, Estados Unidos, Hong Kong, Itália, México, Reino Unido, Singapura e Suíça.
A pesquisa apontou que mais de 80% das mulheres do mundo estão extremamente envolvidas com as suas finanças de curto prazo, tais como despesas diárias, orçamento e fluxo de dinheiro.
Curiosamente, entretanto, quase 60% das mulheres não estão inteiradas dos aspectos mais importantes de suas seguranças financeiras, tais como investimento, seguro, aposentadoria e outros planejamentos de longo prazo.
Além disso, 68% das mulheres entrevistadas acreditam que viverão mais do que os seus cônjuges. Contudo, apenas 23% estão envolvidas no planejamento de longo prazo.
Dentre as razões apresentadas por essas mulheres para delegar a atuação nos investimentos, as que apareceram com maior frequência foram:
- 82% acreditam que seus cônjuges sabem mais sobre o assunto;
- 79% utilizaram o conceito ‘dividir para conquistar’, comentando que dão atenção a outras responsabilidades;
- 78% afirmaram que isso ocorre pois é o cônjuge quem sustenta a família;
- 68% não possuem interesse em planejamento e investimento; e
- 67% comentaram que o cônjuge possuía mais bens na ocasião do casamento.
Outro dado apresentado, indo bastante de encontro ao que costumamos pensar, mostra que mulheres jovens têm perpetuado este cenário. Cerca de 60% das mulheres abaixo de 50 anos delegam as decisões aos seus cônjuges, em comparação a 55% das mulheres acima de 50 anos.
As mulheres mais jovens têm mais probabilidade de dizer que possuem responsabilidades mais urgentes do que planejamento financeiro e de investimento. Elas também têm mais probabilidade de acreditar que seus cônjuges possuem mais conhecimentos sobre finanças de longo prazo do que elas possuem.
O ponto positivo apresentado foi que os índices de delegação entre as mulheres jovens está entre os mais baixos no Brasil, ficando em 40%.
Participação feminina no Brasil
A relação entre mulheres e finanças é um tema muito importante.
No Brasil, felizmente, o cenário é um pouco diferente. 55% das mulheres no Brasil assumem o controle ou dividem a responsabilidade igualmente com o cônjuge, quando se trata do planejamento financeiro de longo prazo.
Mesmo que seja um cenário mais positivo em relação aos outros países, ainda deixa 45% mal preparadas para administrar as necessidades financeiras durante momentos críticos das suas vidas, como o divórcio ou a morte do cônjuge.
Por outro lado, 87% das brasileiras acreditam que viverão mais do que seu cônjuge e estão cientes da importância das necessidades financeiras de longo prazo. Nesse sentido, a pesquisa realizada pela UBS obteve os dados apresentados abaixo:
Dados da Bolsa de Valores brasileira, a B3, referentes ao mês de agosto, sobre o perfil de investidores brasileiros revelam que o número de mulheres com conta na B3 cresceu 91% em relação a dezembro de 2019, passando de 388.497 para 742.719.
No geral, o número de participantes pessoa física na bolsa aumentou 71% no mesmo período. Contudo, as mulheres ainda representam cerca de 24% destes investidores totais, média que tem se mantido estável nos últimos 10 anos.
Os estados que se destacaram neste indicador foram: Distrito Federal com 27,3% de investidoras na bolsa, Rio de Janeiro (26,4%) e São Paulo (26.1%).
Trazendo essa análise para o estado de Santa Catarina, no mês de agosto, as mulheres representaram menos de 23% do número de investidores. Em termos de volume financeiro investido na bolsa, essa representatividade é ainda menor: 20% dos recursos dos CPFs de Santa Catarina é de patrimônio feminino.
A atuação feminina dentro do mercado financeiro
Essa menor atuação feminina no que se refere às decisões relacionadas aos investimentos de longo prazo, também se mostra presente dentro do mercado de trabalho.
Olhando para algumas certificações detidas por profissionais do mercado financeiro, temos: 23% de mulheres com CFP (Certified Financial Planner) – o principal certificado de planejador financeiro no país -, 15% com CNPI (analistas habilitados pela Apimec) e 11% com CFA (Chartered Financial Analyst).
Entre gestores de carteiras, qualificação mensurada pela certificação CGA da ANBIMA, vemos uma relação ainda pior: apenas 6% são mulheres. Em uma pesquisa realizada no mês de agosto de 2020, o Banco Goldman Sachs observou que entre os 496 fundos de investimentos analisados, 77% são comandados apenas por homens.
Enquanto isso, apenas 63 fundos (13% do total) são considerados administrados realmente por mulheres, sendo que apenas 14 possuem apenas mulheres na gestão (o restante conta com mulheres na composição da equipe). Do total de volume financeiro sob gestão, 57% estão nas mãos de fundos exclusivamente masculinos.
A pesquisa mostrou também que, ao cruzar dados de rentabilidade com o perfil da equipe de gestão, os fundos que têm ao menos um terço da sua equipe de gestão composta por mulheres conseguiu uma rentabilidade de 1 ponto percentual maior do que aqueles sem mulheres no quadro, isso em 2020.
Considerando o período de janeiro até 26 de agosto de 2020, os fundos com nenhuma mulher tiveram uma performance negativa de 1,6 ponto percentual em relação ao benchmark. Já os fundos que tem ao menos 33% da gestão feminina se saíram melhor: tiveram uma performance média negativa de 0,6 ponto percentual em relação à referência.
“Os fundos administrados por mulheres resistiram a muitas das oscilações do mercado, com o fundo superando seu benchmark em 0,50 ponto percentual em média desde o início do ano até 23 de março. Por outro lado, o fundo típico sem gestoras mulheres ficou 0,20 ponto percentual abaixo de seu benchmark durante aquele período”, comentam no relatório os estrategistas do Goldman, liderados por David Kostin.
Relação gastos e renda
Além dos aspectos apresentados pela pesquisa da UBS, a fim de entender porque as mulheres investem menos do que os homens, é importante explorarmos a relação entre o que ganham e suas despesas.
Talvez você já tenha ouvido falar do “pink tax” (“taxa rosa”, em tradução livre). Essa taxa se refere ao fenômeno no qual versões “femininas” de produtos são mais caras do que aquelas que são direcionadas ao consumo masculino – mesmo que sejam iguais.
Apesar de muitos acreditarem que este fenômeno não passa de um mito, diversos estudos feitos ao redor do mundo comprovam tal teoria. Em 2018, a ESPM conduziu um estudo no Brasil que constatou que produtos voltados às mulheres chegam a ser até 12,3% mais caros do que as suas versões destinadas aos homens.
Por outro lado, quando se trata de renda, a relação é inversa. Segundo o DIEESE (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), no último trimestre de 2019, as mulheres receberam, em média, 22% a menos do que os homens. Entre os trabalhadores de ensino superior, essa diferença chegou a até 38%.
Quando olhamos para atuação em gerência e diretoria de empresas, segundo o mesmo estudo, as mulheres ocupam cerca de 40% dos cargos com uma diferença salarial de 29% a menos do que os homens. E mesmo quando atuam no mesmo cargo, no Brasil, as mulheres recebem cerca de 9,2% a menos do que os homens, restando clara a disparidade salarial.
Ainda que estes não sejam os únicos fatores responsáveis por uma menor participação feminina como investidoras, também ajudam a explicar essa questão. Uma vez que estão sujeitas a menores salários e produtos mais caros, isso impacta diretamente na parcela de renda a ser investida.
5 insights sobre o artigo
Considerando todos os dados e informações aqui apresentados, separamos 5 insights para você levar dessa leitura:
- Quando se trata de planejamento financeiro de longo prazo, os homens dominam as decisões familiares. Na maioria dos casos, as mulheres acreditam saber menos sobre o assunto e que devem deixar essa atividade aos cônjuges por eles serem os principais provedores da família;
- O crescimento de mulheres investidoras na Bolsa de Valores têm ocorrido junto ao movimento de novos entrantes no mercado financeiro, mas em termos percentuais sua participação continua baixa;
- No Brasil e no mundo, a participação feminina no mercado financeiro ainda é muito pequena. Entretanto, os dados comprovam que equipes com diversidade de gênero têm apresentado melhores resultados;
- A disparidade salarial entre gêneros ainda é representativa. Ao ganhar menos, a poupança e consequente investimento realizado por mulheres são impactados negativamente;
- Informação e conhecimento são muito importantes na independência financeira feminina. Compartilhe os dados que você conheceu através deste conteúdo e inicie conversas sobre o assunto!
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*Este artigo foi elaborado em coautoria com a Ruth Mendes Toledo, Diretora Administrativa da JB3 Investimentos.