Quando se joga boliche, costuma-se dizer que o jogador que consegue derrubar todos os pinos no primeiro lançamento, fez um strike. No mercado financeiro global não existe jargão para caracterizar este movimento, mas talvez seja isso que os traders de bonds globais estejam pensando neste momento: strike.
No final do ano passado o clima no mercado era tenso. Tanto as ações, quanto os títulos da dívida soberana (bonds) estavam sofrendo com as vendas dos investidores em busca de proteção. As vendas de ações foram rápidas e chegaram a jogar índices acionários de alguns países para o bear market técnico (20% de queda sobre a última máxima). Nos Estados Unidos, o S&P500 quase confirmou a virada para bear market.
Os bonds começaram a se aproximar de um nível de taxa de juros que poderia ser insustentável a longo prazo para alguns países altamente endividados. Em títulos da dívida soberana, quando a pressão vendedora supera a pressão compradora, as taxas de juros sobem, provocando desvalorização dos títulos. Nos Estados Unidos, a Treasury de 10 anos alcançou 3,20% no final de 2018, ultrapassando a temida red line de 3%.
Desde 2012, quando os juros futuros norte-americanos começaram apresentar sinais de reversão na curva de longo prazo (de fechada para aberta, ou seja, de mercado comprado para vendido), todas as ocasiões em que o bond de 10 anos se aproximou dos 3% ao ano, o mercado respondeu com aumento no clima de aversão ao risco, criando uma situação de pânico temporário.
No final do ano passado o FED (Federal Reserve – Banco Central dos Estados Unidos) contra-atacou o mercado, atuando firmemente para acabar com o clima de tensão. A FFR (Federal Funds Rate – taxa básica de juros) tinha subido 0,25 p.p., para o intervalo de 2,25% a 2,50%, conforme projetado. Entretanto, no comunicado emitido após a reunião de Comitê, bem como pela entrevista concedida pelo chair Jerome Powell, a autoridade monetária mudou completamente sua estratégia de política monetária para o médio e longo prazo.
Novas elevações da FFR fugiram do radar, ao contrário do esperado anteriormente. A taxa de juro neutro foi revisada para baixo (patamar que mantém a economia em crescimento sem criar pressão inflacionária). O volume de desalavancagem do balanço, que até então aumentava a cada trimestre, foi mantido.
Todas essas mudanças surpreenderam, pois esperava-se exatamente o oposto. Desta forma, FED revelou ao mercado que estava saindo de uma estratégia hawkish e voltando para uma rota mais dovish. A mudança agressiva na estratégia de política monetária, de hawkish para dovish, afetou em cheio o mercado, voltando a criar ânimo nas principais praças financeiras mundiais. A oscilação dos bonds é o melhor indicador/espelho desse movimento do FED.
Nos Estados Unidos, a taxa do bond de 10 anos derreteu dos 3,20% para 2,32%, totalizando quase 1 p.p. de queda. O forte fechamento da curva de juros futuros não é somente atípico, como também alcançou nível inferior à FFR, o que pode ser uma primeira sinalização de excesso de otimismo do mercado ou uma aposta ousada de que a FFR será cortada no futuro.
No Reino Unido, nem a indefinição com o Brexit foi capaz de frear a onda compradora nos títulos da dívida soberana. A taxa de juros do bond de 10 anos está cedendo desde o terceiro trimestre de 2018, caindo recentemente abaixo do patamar psicológico de 1%.
O bond alemão, outra grande referência na Europa, segue o mesmo movimento de queda brusca desde o terceiro trimestre de 2018. A força compradora é tão grande que já conseguiu jogar a taxa de juros do título de 10 anos para o terreno negativo, fato que não ocorria desde 2016.
A volta dos juros negativos na Alemanha é respaldada, também, pela política monetária do BCE (Banco Central Europeu), que assim como a do FED, passou a ficar mais dovish, chamando o mercado para compra maciça de bonds.
Entretanto, juros negativos não são uma exclusividade dos alemães. Os bonds no Japão voltaram operar abaixo de zero, atualmente pagando -0,07% no título com vencimento em 10 anos.
O retorno da taxa para o campo negativo não provocou nenhuma reação por parte do BoJ (autoridade monetária japonesa), que apesar de manter uma política monetária extremamente expansionista, chegou atribuir no passado uma meta de banda de oscilação para o bond de 10 anos entre zero a 0,10%.
É possível que em função da atual dinâmica dos bonds globais, o BoJ esteja fazendo vista grossa para a meta de taxa de juros do título de 10 anos, até porque o rompimento da banda é descendente (acelerando o fechamento da curva), o que agrada o mercado.
A agressividade na inversão das curvas de juros futuros também pode ser observada nos bonds de países emergentes. Na Índia, a taxa de juros do título com vencimento em 10 anos caiu quase 1 p.p. desde o pico registrado no ano passado.
O bond russo já acumula queda de pouco mais de 1 p.p., saindo de uma taxa de 9% no final do ano passado para menos de 8% atualmente, voltando a trabalhar fortemente fechado.
A intensa força compradora em bonds globais também alcançou o Brasil, mesmo com uma dívida atualmente considerada insustentável a longo prazo. Sem qualquer reforma estruturante aprovada, o mercado se entupiu de títulos da dívida soberana brasileira. Atualmente, o bond com vencimento em 10 anos paga juros de 8,77%, razoavelmente acima do prêmio oferecido pela Rússia e relativamente bem superior ao prêmio oferecido pela Índia.
Assim como nas demais praças financeiras mundiais, a força compradora em bonds brasileiros nestes últimos meses é influenciada, basicamente, por fatores externos. A grande jogada do FED para eliminar a tensão em Wall Street (que também pairava sobre outros mercados globais), no final do ano passado, não só funcionou muito bem, como também provocou uma corrida de grandes players e hedge funds para os bonds, já que um novo cenário para as taxas de juros passou a ser precificado devido à reversão na estratégia de política monetária pelo FED, seguida posteriormente por outros banqueiros centrais.
A situação do mercado de bonds globais é completamente diferente daquela observada no quarto trimestre de 2018. A reversão nas curvas ocorreu de forma generalizada, com intensidade e rapidez. Passado esses cinco meses, pode-se imaginar que o Banco Central mais poderoso do mundo mostrou ao mercado como se faz um strike.
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