Cerca de uma semana atrás o índice S&P500 era negociado na faixa dos 2.900 pontos, oscilando próximo à máxima histórica, mantendo um ciclo de médio prazo positivo observado desde fevereiro/2018. Nesta quinta-feira, o índice S&P500 fechou aos 2.728 pontos, revelando um forte movimento de sell-off nos últimos dias.
Evento semelhante ocorreu no final do mês de janeiro deste ano. Na época, o S&P500 perdeu cerca de 300 pontos de forma agressiva, em apenas duas semanas. O tombo no final de janeiro foi motivado por receio de que a política monetária do FED (com aumentos graduais da taxa básica de juros) poderia provocar realocações de portfólio em função do aumento no prêmio de risco pago pelas Treasurys.
O racional do temor criado na época estava correto. Entretanto, uma troque de choque apareceu para defender o viés bullish assim que Wall Street começou a derreter. Vários players de mercado, analistas e economias emitiram relatórios e comentários com objetivo de acalmar os ânimos dos investidores. A derrocada do mercado na época foi minimizada, justificada por fatores técnicos, pontuais e, principalmente, descasados com os fundamentos das empresas e da própria economia.
Com tantos bombeiros em ação, o incêndio no mercado durou pouco e foi apagado rapidamente no início de fevereiro. Tudo parecia estar sob controle até o rendimento da Treasury de 10 voltar a subir e realizar novo contato com a red line dos 3% ao ano. Semana passada, a taxa de juros do título soberano norte-americano com vencimento em 10 anos alcançou impressionantes 3,23% ao ano, o maior patamar registrado nos últimos 7 anos.
Mais uma vez Wall Street entrou em pânico. Os índices acionários começaram a ceder, reagindo ao prêmio mais elevado (atrativo) na Treasury, que não somente pode “roubar” fluxo dos ativos de risco, como também encarecer o custo de captação de recursos das empresas no mercado, reduzindo margens de lucro.
O recuo de Wall Street poderia ser encarado como algo natural, até porque o mercado acionário norte-americano estava subindo de forma regular, não tão eufórico e com pouca volatilidade nos últimos 7 meses. Porém, uma declaração de Donald Trump, presidente dos Estados Unidos, adicionou elemento explosivo, causando pânico não somente em Wall Street, mas no mundo inteiro.
Quebrando uma tradição de longa data, Trump atacou a independência do FED de forma estúpida. A autoridade monetária norte-americana é nada mais nada menos do que a melhor referência no mundo (e case de sucesso) para que outras sociedades possam lutar pela independência de seus respectivos banqueiros centrais.
Nesta última quarta-feira, o presidente dos Estados Unidos disse publicamente que o FED enlouqueceu, referindo-se ao aumento da taxa básica de juros para o intervalo entre 2% a 2,25% ao ano. Nesta quinta-feira, ao invés de tentar contornar mais um estrago provocado por suas declarações polêmicas, Trump reforçou o que disse no dia anterior afirmando que o FED está cometendo um grande erro ao elevar a taxa básica de juros.
As duras críticas de Trump à condução da política monetária do FED criam risco de interferência/influência política até então inexistente e impensável para uma economia de país desenvolvido. Não é incomum observar comentários de presidente ou primeiro-ministro em relação à política monetária de seu banqueiro central, mas as declarações de Trump fogem do comentário habitualmente aceitável e entram num terreno de ataque frontal.
Christine Lagarde, chefe do FMI, agiu rapidamente defendendo a independência da política monetária contra influência de líderes políticos, ponto fundamental para uma governança econômica eficaz e principal barreira disciplinadora de políticos (evitar criar dinheiro barato para interesses de curto prazo).
Jerome Powell, chair do FED, agora conhecido como líder dos loucos, precisa contra-atacar as declarações de Donald Trump com um discurso firme, defendendo a manutenção da independência do Banco Central, além de ratificar a estratégia de política monetária. A partir do momento em que o FED reagir, o clima no mercado pode até se acalmar, mas o atrito não deixará de existir, o que poderá prejudicar a própria estratégia de política monetária.
Nos momentos em que o FED subir os juros, o mercado pode encarar como uma sinalização de firmeza da independência da autoridade monetária e manutenção do cronograma de longo prazo (elevações graduais e desalavancagem do balanço). Porém, em momentos de parada/manutenção da taxa básica de juros (os aumentos não ocorrem em todas as reuniões de Comitê), o mercado pode encarar como uma sinalização de que houve interferência política na decisão do FED.
A reunião de Comitê a ser realizada em dezembro deste ano será a primeira prova de teste do pós-ataque de Donald Trump. Se o FED anunciar mais uma alta de 0,25 p.p. na taxa básica de juros, conforme amplamente antecipado, uma sinalização positiva de firmeza e independência será enviada ao mercado, mas vai deixar o presidente dos Estados Unidos ainda mais furioso. O outro caminho (manutenção dos juros) é impensável neste momento, mesmo em situação de tensão nos mercados ou desaceleração da economia, já que o que está em jogo, ao menos por enquanto, é a força do FED contra a Casa Branca e não o cenário base de política monetária.
A taxa da Treasury de 10 anos recuou de 3,23% para 3,14% nesta sexta-feira, mostrando que o mercado começa calcular o fator da influência política sobre a taxa básica de juros. As compras sinalizam que o mercado, neste momento, não acredita que a taxa básica de juros possa ir longe demais, conforme projeções divulgadas na última reunião do FED.
Além de criar atrito desnecessário e quebrar uma tradição de boa vizinhança, Trump colocou o FED numa tremenda saia justa.